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Por
Matheus Silva
Em qualquer esporte de alto nível, é péssimo ver atletas de alto rendimento sofrendo lesões que os deixam semanas, meses e até anos afastados de suas atividades. Nesse ano em específico, as lesões na NFL têm chamado a atenção dos torcedores.
Infelizmente, é o que temos presenciado com alguns astros da NFL como Saquon Barkley, dos Giants, Nick Bosa, dos Niners e Von Miller, dos Broncos, que nem chegou a pisar em campo na semana 1 desta temporada.
Para entender melhor os motivos dessa série de lesões na NFL em 2020, chamamos Ricardo Schultz para bater um papo. Ricardo é graduado em Fisiologia do Esporte (Arcadia University – Canadá), mestre em Ciências da Saúde Aplicada (Brock University – Canadá), especialista em fisiologia do exercício, treinador de força e condicionamento físico dos times colegiais da Arcadia University e Brock University de 2015 a 2019 e é atleta de futebol americano. Confira abaixo a íntegra do nosso bate-papo com o profissional. Se preferir, veja um resumo da entrevista logo abaixo:
Pergunta: Estamos acostumados com lesões na NFL. Entretanto, as mais graves tendem a acontecer na metade da temporada. Por que você acha que essas lesões mais graves estão acontecendo já nas primeiras semanas?
Ricardo: “Essa é uma pergunta bem complexa. Quando nós falamos de lesões na NFL, elas estão muito ligadas à fadiga. Quando se pratica um esporte, você precisa de aceleração, precisa correr, precisa pular. Conforme a fadiga vai aumentando em seu corpo, existe uma desproporção entre o que você é capaz de fazer e o que você precisa fazer. Existindo essa desproporção, a biomecânica (como seu corpo responde aos estímulos) tende a mudar. Quando falamos de lesões no meio da temporada, existe relacionamento com a fadiga neuromuscular, em que a falta de descanso, intensidade de jogos e treinos, viagens, mudança de tempo, mudança de campo auxiliam para que ela aumente. Por isso que as lesões graves normalmente costumam acontecer da metade da temporada pra frente.
O que vejo esse ano com as lesões na NFL é uma falta da transição dos treinamentos para os jogos. Ou seja, por mais intenso que seja seu treino, isso nunca vai reproduzir a intensidade do jogo. Temos nos Colts, por exemplo, dois atletas com ruptura de tendão de Aquiles. Isso acontece normalmente quando o atleta busca alcançar uma velocidade que o corpo ainda não está acostumado. O músculo produz uma força muito maior que o tendão consegue suportar.
Problemas com a pandemia
Outro fator importante foi que a offseason foi muito prejudicada pela pandemia. Então alguns atletas não conseguiram fazer seus treinos como gostariam. Muitas academias ficaram fechadas. O importante disso é que a offseason é o que realmente prepara o atleta fisicamente para a temporada. Já a pré-temporada é onde você ganha aceleração para efetuar rotas, passar pela linha de defesa ou de ataque, ou seja, voltado mais para o esporte em si”.
Ricardo também ressaltou outros fatores como atletas que contraíram o Coronavírus e tiveram sua capacidade respiratória afetada. Além disso, mencionou fatores emocionais e psicológicos e a ausência de jogos de pré- temporada.
Pergunta: A ausência de uma pré temporada contribui para que as lesões apareçam mais?
Ricardo: “A pré-temporada é a transição do conceito geral para o conceito específico do jogo. Existem 4 jogos. No primeiro, os titulares jogam normalmente o primeiro quarto (25% do tempo). Já na segunda partida, há um aumento desse volume. No terceiro, a tendência é que os titulares joguem um tempo ainda maior. E na quarta partida, os titulares jogam um tempo menor e os rookies e reservas mostram serviço. Isso mostra que existe uma progressão linear no sentido de expor os titulares para o jogo. Vendo um vídeo antes da conversa, um treinador diz que “não importa o quão bem elaborado é seu treinamento, ele nunca vai replicar fielmente a intensidade de um jogo”.
Contatos nos treinos
Além disso a NFL tem um critério de pré-temporada. Algumas semanas antes da temporada regular as equipes tem que seguir regras. Na semana 1 (período de aclimatização) é quase 100% condicionamento. Não há contato físico, não há nem uso de helmets (capacetes) e o tempo é muito controlado. Na semana 2, há um aumento gradual, em que se pode treinar até 3 horas e meia por dia (contando salas de musculação e condicionamento). Mas o treino com o time se restringe a 90 minutos (receivers fazendo rotas, QBs lançando bolas, drills, e etc).
Os atletas são permitidos a usar helmets a partir da metade dessa segunda semana, mas os pads ainda não. Ou seja, não há nenhum tipo de contato nessas duas semanas. Da semana 3 em diante, existe a integração de contato, que aumenta gradativamente. Da semana 3 até o início da temporada regular, você só pode ter 14 treinos full pads (equipamento completo). Isso não significa que serão treinos de contato, mas treinos para que os atletas se acostumem com a biomecânica de lançar a bola com os shoulder pads, e a correr com o equipamento novamente.
Quando eu joguei High School nos Estados Unidos, nunca era liberado o contato total no treino, sempre havia um pé atrás. Agora, você tira a única oportunidade que o atleta têm de simular um jogo e já está um passo atrás na preparação. Com isso, há um aumento significativo do risco nas lesões”.
Pergunta: Essas lesões graves tendem a diminuir ou você imagina que elas vão continuar acontecendo?
Ricardo: “É difícil responder com precisão. Fiz um levantamento das últimas temporadas para tentarmos prever um pouco do futuro. Como falei, nunca tivemos uma experiência no passado parecida com o ano de 2020. Na minha opinião, vendo os dados que a NFL disponibiliza, a tendência de lesões graves é só aumentar. Acho isso porque percebi que entre 2015 e 2019 teve uma média de 49 lesões de ligamento cruzado anterior (lesão grave que costuma encerrar o ano do atleta), isso da pré-temporada até a semana do Super Bowl. Ano passado, foram 47 dessas lesões. Esse ano, sem jogos de pré-temporada, mas considerando desde a volta dos times aos treinos até o final da semana 2, já temos 22 atletas com lesões de ligamento cruzado anterior (quase metade do que tivemos ano passado na temporada inteira). Só por isso temos a noção que o início da temporada já é ruim.
É comum a intensidade dos jogos, semana a semana, ir aumentando, mas a preparação talvez não esteja no mesmo nível. Quando há essa discrepância entre o que você pode e o que você precisa fazer para ter boa performance nos jogos é onde surgem as lesões. Mas, em minha opinião pessoal e profissional, embasado em minhas experiências e estudos, penso que vai ser um ano completamente prejudicado pelas lesões”.
Pergunta: Qual a importância do condicionamento físico e treinos de força nesse alto nível para evitar lesões severas?
Ricardo: “O que quero deixar claro é que não existe equipamento ou treinamento capaz de evitar uma lesão. Uma das regras que eu tinha como treinador de força e condicionamento em minhas temporadas fora do Brasil era que temos que preparar o atleta na offseason e manter os jogadores saudáveis durante a pré-temporada e a temporada. Durante a temporada, nosso foco muda de deixar o jogador melhor para deixar o jogador saudável, trabalhando com prevenção de lesão e tudo mais. Um dos meus treinadores, que acabou sendo de um de meus mentores no Canadá falava que “o pilar principal de um time vencedor é manter os jogadores saudáveis”.
Segundo o Journal of Strength and Conditioning, em um ano de treinamento de força e treinamentos cardiovasculares bem feitos, é possível reduzir lesões em 33%. Já outros tipos de lesões por esforço repetitivo, como as de ombro para QBs, é possível alcançar uma redução de até 50% com esse ano de boa preparação. Isso acontece porque o treinamento, quando bem feito, consegue retardar o aparecimento tanto da fadiga muscular como da neurológica, que acaba sendo mais grave que a muscular. Na fadiga neurológica, muitas vezes seu músculo consegue fazer o que você quer fazer, mas o seu sistema nervoso demora para processar o estímulo. Isso pode acontecer por falta de descanso e recuperação. O treinamento, quando bem feito, é capaz de retardar o aparecimento dessa fadiga.
Equilíbrio muscular
Quando são feitos os treinamentos de força e condicionamento, além dos efeitos benéficos na fadiga, é possível melhorar o desequilíbrio muscular entre os músculos antagonistas e agonistas. Por exemplo: as lesões de posterior da coxa são muito comuns de acontecerem quando há um desequilíbrio muscular, em que a parte da frente da coxa é muito mais forte que a parte de trás. Quando a parte da frente da coxa acelera e a parte de trás não está preparada, há o estiramento muscular. Através do treinamento de força e treinamento cardiovascular, é capaz de retomar o equilíbrio entre os dois músculos diminuindo a chance de lesão nesse sentido.
Além disso, quando é feito um treinamento de força, trabalhamos no que a gente chama de “padrão motor estável”. Isso é, estou correndo em linha reta e preciso fazer um corte para a esquerda, eu sei que meu corpo inteiro vai ser acionado na sequência que eu realmente preciso para fazer esse corte. Isso é comum de ser feito com o treinamento de força, mas é necessário fazer essa tradução para o campo. O treinamento de força aciona os músculos na sequência que precisamos.
Ricardo também voltou ao exemplo de lesões do ligamento cruzado anterior para exemplificar a importância do padrão motor estável. Nessa lesão (sofrida por Saquon Barkley, por exemplo), a panturrilha e a coxa do atleta sofrem com um desequilíbrio no padrão motor.
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